O Alto Preço da Pressa: Você Quer Criar um Produto ou Apenas Apagar Incêndios?
Um bom bombeiro evita que o fogo se espalhe. Um bom programador evita que o código precise de bombeiros.
Atalhos parecem sinônimo de eficiência — afinal, quem não quer chegar ao destino mais rápido? No mundo do desenvolvimento, onde entregas ágeis, sprints acelerados e lançamentos contínuos são a norma, a tentação de cortar caminho é enorme. Mas e se eu te dissesse que nem todo atalho leva ao sucesso? Alguns apenas criam a ilusão de progresso, quando, na verdade, estão pavimentando um caminho de problemas futuros.
A busca desenfreada por velocidade pode, paradoxalmente, sabotar sua própria eficiência. O que parece uma entrega rápida hoje pode se tornar um código difícil de manter, uma arquitetura frágil ou uma dívida técnica que custará caro mais adiante. O verdadeiro avanço não está apenas na rapidez da entrega, mas na sustentabilidade do que foi construído.
Não é culpa de metodologias ágeis, mas da natureza humana de subestimar a complexidade de qualquer coisa… tudo para cumprir prazos irreais e atender expectativas imediatas. No curto prazo, entregar rapidamente pode parecer um sucesso, mas o custo dessas decisões se acumula silenciosamente no código, nos processos e na manutenção futura.
Existe um paradoxo no desenvolvimento de software. Os gerentes e qualquer outro cargo de liderança pressionam por velocidade, exigem entregas cada vez mais curtas e querem ver resultados rapidamente. Mas o que poucos percebem — e menos ainda admitem — é que a maneira mais rápida de construir um software sólido e sustentável é, na verdade, buscar qualidade desde o primeiro dia.
A metáfora da tartaruga e da lebre nunca fez tanto sentido. O desenvolvimento apressado, cheio de atalhos e soluções temporárias, pode parecer uma vantagem inicial. Mas, no longo prazo, o time que priorizou a qualidade ultrapassa a equipe que correu para entregar qualquer coisa funcional. Um segredo que apenas os desenvolvedores mais experientes e sábios realmente entendem e já presenciaram!
Mas por que isso acontece? E como evitar cair nessa armadilha? Vamos conversar sobre isso!
Quantidade para medir o desempenho do desenvolvedor de software: um erro caro
Imagine que você precisa contratar um desenvolvedor e, para avaliar seu desempenho, decide analisar quantas linhas de código ele escreve por dia. Parece uma métrica razoável, certo? Afinal, quanto mais código produzido, maior a entrega, certo? Errado.
A busca por quantidade em vez de qualidade é um dos maiores erros na avaliação do desempenho de desenvolvedores de software. Ainda assim, essa abordagem é adotada por muitas empresas, incluindo grandes nomes do setor. O problema? Linhas de código não são um reflexo real da produtividade ou da qualidade de um desenvolvedor.
O mito da quantidade: por que contar linhas de código não faz sentido?
Medir a produtividade de um desenvolvedor com métricas quantitativas, como horas trabalhadas, pontos de história entregues ou linhas de código escritas, é uma abordagem equivocada que ignora um fator essencial no desenvolvimento de software: a qualidade. O que realmente importa não é o quanto se escreve, mas o impacto e a manutenção do que é escrito.
Steve McConnell, no livro Code Complete, argumenta que “linhas de código são uma métrica enganosa para produtividade, pois não consideram eficiência, clareza ou facilidade de manutenção.” Ele explica que um código maior não significa um código melhor—pelo contrário, muitas vezes indica redundância, complexidade desnecessária e maior custo de manutenção.
Já Martin Fowler reforça em Refactoring: Improving the Design of Existing Code que “o objetivo do desenvolvimento de software não é escrever mais código, mas sim escrever menos código que resolva melhor o problema”. Segundo ele, medir produtividade por volume de código incentiva abordagens que priorizam quantidade em vez de clareza e robustez.
Além disso, softwares com código prolixo e sem um design bem planejado tendem a acumular dívida técnica, tornando a manutenção mais difícil e aumentando o risco de falhas críticas no futuro. Código de qualidade deve ser enxuto, modular e testável—e não apenas volumoso.
No final, o custo de código ruim sempre será maior do que o tempo investido para fazê-lo corretamente desde o início. Métricas mal definidas levam a incentivos errados, e avaliar desenvolvedores pelo número de linhas de código escritas é um erro que já deveria ter sido superado.
A falsa impressão de progresso rápido
A cultura da pressa no desenvolvimento cria um paradoxo: no curto prazo, parece que tudo está indo rápido; no longo prazo, o time se afunda em problemas, atrasos e retrabalho. Vamos analisar algumas consequências dessa mentalidade:
Mais bugs e menos estabilidade
Código escrito sem planejamento e revisão adequada frequentemente resulta em falhas. O produto pode ser lançado rapidamente, mas logo começam os chamados de suporte e os patches de correção.Código difícil de manter e expandir
Sem testes, sem padrões e sem documentação, cada nova funcionalidade adiciona complexidade ao sistema, tornando futuras implementações mais lentas e arriscadas.Perda de conhecimento
Quando desenvolvedores saem da empresa, aqueles que chegam encontram um código ilegível e sem explicação. O tempo gasto para entender o sistema pode ser maior do que o tempo necessário para construir algo novo do zero.Implantações manuais e processos frágeis
Para acelerar entregas, muitas equipes evitam configurar pipelines de CI/CD ou automações, optando por processos manuais. No início, parece um ganho de tempo, mas a longo prazo, isso gera falhas frequentes e aumenta o tempo perdido com tarefas repetitivas.
Tá mas o que realmente deveria ser levado em consideração?
O que realmente mede o bom desempenho de um desenvolvedor?
Se quantidade não é um bom indicador, o que realmente faz um desenvolvedor se destacar? Algumas métricas qualitativas podem oferecer uma visão mais precisa:
Clareza e eficiência do código: Código bem estruturado e fácil de entender reduz o tempo de manutenção e permite que outros desenvolvedores colaborem sem dificuldades. Além de diminuir a chance de introdução de bugs!
Contribuição para a arquitetura e boas práticas: Desenvolvedores que criam soluções escaláveis evitam problemas futuros e aceleram o desenvolvimento a longo prazo.
Capacidade de resolver problemas reais: Criar software não é apenas escrever código, mas sim entender o problema e oferecer a solução adequada e de baixo custo.
Colaboração e compartilhamento de conhecimento: Bons desenvolvedores ajudam a equipe a crescer, revisam código de colegas e contribuem para um ambiente produtivo e colaborativo.
O desenvolvimento de software não é uma corrida de velocidade; é uma maratona de consistência.
As empresas que priorizam velocidade em detrimento da qualidade acabam se sabotando, criando sistemas frágeis, acumulando dívidas técnicas e gastando mais tempo apagando incêndios do que inovando.
A verdade que poucos gerentes querem aceitar é que o caminho mais rápido para colocar um software no ar é fazer certo desde o começo. A "tartaruga" da qualidade (alguns ainda acreditam que qualidade atrasa entregas 🫠) sempre vence a lebre da pressa.
Desenvolver bem desde o início reduz retrabalho, aumenta a estabilidade e melhora a satisfação dos clientes.
Falta de conhecimento e compreensão: quando a pressa supera o entendimento
Será que velocidade sem compreensão realmente leva a boas entregas? Na prática, o oposto acontece: a pressa impede o aprendizado e resulta em software mal planejado, difícil de manter e frequentemente descartado.
O perigo de priorizar a ação sobre o pensamento
Criar software é apenas uma parte do trabalho de um desenvolvedor. A outra — e talvez a mais importante — é entender o que precisa ser criado, por que aquilo é necessário e como garantir que a solução seja sustentável a longo prazo.
Desenvolvedores rápidos, pressionados por prazos curtos, muitas vezes não têm tempo para entender o problema a fundo. Eles pulam etapas essenciais, como:
• Compreender os requisitos do negócio.
• Validar a necessidade real do que estão construindo.
• Estudar soluções alternativas e escolher a melhor abordagem para o contexto que estão inseridos.
• Considerar padrões de arquitetura e boas práticas.
Essa falta de conhecimento e compreensão leva a um ciclo vicioso: um software que parece estar avançando rapidamente, mas que, no fundo, está apenas acumulando problemas.
A abordagem da força bruta: tentar até acertar
A diferença entre velocidade e direção é crucial aqui.
• Velocidade sem direção é simplesmente se mover rápido sem saber para onde ir.
• Velocidade com direção significa avançar rápido rumo ao objetivo correto.
Desenvolvedores rápidos mas sem o conhecimento adequado, muitas vezes tomam decisões sem avaliar suas consequências. Eles podem até finalizar tarefas rapidamente, mas grande parte do tempo gasto depois será consertando erros, refatorando código mal estruturado e corrigindo bugs que poderiam ter sido evitados com mais reflexão no início.
Um dos maiores sintomas dessa falta de compreensão é a abordagem de tentativa e erro. Muitos desenvolvedores, ao invés de pensar criticamente sobre o problema, simplesmente escrevem código, testam e refazem até que algo funcione. Isso gera código frágil, difícil de manter e cheio de retrabalho.
O fluxo geralmente se parece com isso:
1. Criar código rapidamente sem entender o problema a fundo.
2. Testar e ver se funciona.
3. Perceber que algo está errado.
4. Fazer mudanças sem um plano estruturado.
5. Repetir esse ciclo até algo “aparentemente” funcionar.
Esse processo pode parecer eficiente no curto prazo, mas no longo prazo ele se torna um desperdício de tempo e esforço.
A diferença entre um desenvolvedor experiente e um desenvolvedor apressado
Os melhores desenvolvedores fazem o trabalho parecer fácil. Isso não acontece porque eles codificam mais rápido, mas porque tomam as decisões certas na maior parte do tempo. Eles têm um entendimento sólido do problema, analisam a melhor solução e executam com precisão.
Já os desenvolvedores que trabalham na base da pressa acabam tornando tudo mais difícil. Eles tentam qualquer solução, sem um filtro para distinguir boas práticas de abordagens ruins, e criam código que pode até funcionar hoje, mas que se tornará um pesadelo amanhã.
O preço da pressa: software ruim custa mais do que software bem feito
Para projetos pequenos ou protótipos descartáveis, talvez a qualidade não pareça um problema. Mas para qualquer software que precisa ser mantido por mais de alguns meses ou que envolva mais de uma pessoa, um desenvolvimento rápido e descuidado se torna insustentável.
Quanto mais rápido você se move sem entendimento, sem compreensão do objetivo que precisa ser alcançado, mais problemas você cria. Cada atalho leva a uma armadilha futura, cada pressa se traduz em retrabalho e cada solução apressada se torna uma dor de cabeça para a equipe.
A verdadeira produtividade não vem da velocidade sem controle, mas da compreensão clara do que precisa ser feito e da execução correta desde o início.
Se você chegou até aqui, já percebeu que este artigo não é apenas um desabafo sobre más práticas no desenvolvimento de software. Ele tem um objetivo claro: mostrar que qualidade não é um luxo, um extra ou um detalhe opcional. Qualidade é a única forma sustentável de criar software que realmente entrega valor. Escrevi sobre esse tema em outro artigo, onde comento com mais profundidade o tema qualidade!
Muitas empresas e gestores ainda enxergam a qualidade como um “requisito opcional”, algo que pode ser negociado ou deixado de lado para acelerar entregas. Mas essa visão está completamente errada. A qualidade não é um capricho de desenvolvedores detalhistas. Ela é a diferença entre um software que evolui e um software que se torna um problema insolúvel.
Criar software não é só escrever código
O propósito do desenvolvimento de software não é apenas entregar qualquer coisa. Criar software é resolver problemas reais. Se a pressa leva a uma solução errada ou insustentável, de que adiantou ter entregado rápido? Se cada nova feature quebra as anteriores, se o sistema se torna um amontoado de gambiarras, se o time passa mais tempo corrigindo bugs do que inovando, o que foi realmente entregue de valor? Para onde está indo o dinheiro de investidores ou da própria empresa? Qual o real retorno disso financeiramente para uma corporação?
O problema é que muitos gerentes, diretores, e até alguns programadores, ainda acreditam no mito de que um código ruim que funciona “é suficiente”. Mas não é. Código ruim sempre cobra seu preço mais tarde.
Qualidade não é um requisito, é uma obrigação!
Se você tivesse que construir um prédio, aceitaria que a estrutura fosse feita às pressas, sem garantir que as fundações estão sólidas? Claro que não. Então, por que com software seria diferente?
Software precisa ser confiável, seguro e sustentável. Precisa permitir mudanças sem que tudo desmorone. Precisa ser algo que as pessoas possam confiar para rodar seus negócios, suas soluções devem trazer segurança para os consumidores, armazenar seus dados e oferecer serviços para milhares ou milhões de usuários.
A pressa pode parecer um atalho, mas na verdade é uma bomba-relógio. Cada erro cometido por falta de cuidado hoje se transforma em um problema ainda maior amanhã.
O verdadeiro objetivo: software que evolui, não que se autodestrói
O que realmente queremos ao falar sobre tudo isso? Queremos reforçar a ideia de que software bem feito não é um custo extra, mas sim um investimento que economiza tempo e dinheiro no longo prazo.
• Código bem escrito é mais fácil de entender e manter.
• Testes bem feitos evitam problemas e garantem que o sistema continue funcionando conforme cresce.
• Arquitetura bem planejada permite que novas funcionalidades sejam adicionadas sem quebrar tudo.
• Um time que entende o que está construindo faz escolhas melhores e entrega software que realmente resolve problemas.
Qualidade no desenvolvimento não é sobre perfeccionismo.
Se uma empresa quer crescer, inovar e manter um software competitivo, ela precisa tratar a qualidade como uma regra inegociável. Qualquer coisa diferente disso é só um desastre esperando para acontecer.
Impactos Reais da Falta de Qualidade no Desenvolvimento de Software
A ausência de qualidade no desenvolvimento de software pode acarretar consequências severas para as empresas, incluindo prejuízos financeiros, danos à reputação e perda de confiança dos clientes. A seguir, apresentamos alguns casos emblemáticos que ilustram esses impactos:
1. Banco TSB (2018)
Em abril de 2018, o banco britânico TSB enfrentou uma migração mal-sucedida para uma nova plataforma bancária. A atualização resultou em milhões de clientes sem acesso às suas contas online, enquanto alguns visualizaram informações de outras pessoas. Os problemas persistiram por meses, causando uma crise de confiança e danos significativos à reputação do banco.
2. NHS do País de Gales (2018)
Em 2018, o Serviço Nacional de Saúde (NHS) do País de Gales sofreu uma falha técnica que impediu médicos e funcionários de acessar registros de pacientes, incluindo resultados de exames de sangue e raios-X. Embora não tenha sido um ataque cibernético, a interrupção causou atrasos no atendimento e destacou a vulnerabilidade dos sistemas de saúde a falhas de software.
3. British Airways (2017)
Em maio de 2017, a British Airways enfrentou uma falha global de TI que levou ao cancelamento de todos os voos nos aeroportos de Heathrow e Gatwick. A interrupção afetou mais de mil voos e foi atribuída a problemas no sistema de energia. A falha resultou em prejuízos financeiros significativos e danos à reputação da companhia aérea.
4. Facebook (2018)
Em 2018, o Facebook revelou que falhas de segurança expuseram dados de milhões de usuários. Essas vulnerabilidades permitiram que atacantes acessassem informações pessoais, levando a uma série de investigações e multas para a empresa. O incidente destacou a importância da segurança e da qualidade no desenvolvimento de software para proteger os dados dos usuários.
5. LATAM/Multiplus (2018)
Passageiros relataram problemas no novo sistema da LATAM/Multiplus em 2018, enfrentando dificuldades para acessar informações e realizar reservas. Essas falhas tecnológicas causaram transtornos para os usuários e evidenciaram a necessidade de testes rigorosos e garantia de qualidade ao implementar novos sistemas.
6. HSBC
No início de 2016, o HSBC sofreu uma grande interrupção de TI. Milhões de clientes do banco não conseguiram acessar contas on-line, sendo que os serviços só retornaram ao normal após uma interrupção de dois dias. O diretor de operações do banco, Jack Hackett, culpou uma “questão técnica complexa” em seus sistemas internos.
Agora, você pode estar pensando: “Ok, esses exemplos são grandes falhas, mas parecem casos isolados. Será que isso realmente prova que falta de qualidade no desenvolvimento de software é um problema sistêmico?” 🤔
Essa dúvida é válida. Afinal, quando um problema atinge grandes empresas como Facebook, British Airways ou um banco internacional, a primeira reação pode ser achar que foi um incidente único, um erro infeliz e pontual. Mas essa é uma ilusão perigosa.
A verdade é que essas falhas são apenas a ponta do iceberg. Elas não são exceções— são sintomas de um problema estrutural que se repete constantemente em empresas de todos os tamanhos e setores.
Por que essas falhas não são apenas acidentes isolados?
1. A cultura da pressa no desenvolvimento
A maioria das empresas prioriza velocidade de entrega sobre qualidade. Metas agressivas, pressão para lançar novas funcionalidades rapidamente e a ilusão de que refatoração e qualidade podem ser feitas “depois” criam um ambiente onde problemas não são prevenidos, apenas adiados.
2. Falta de processos sólidos de garantia de qualidade
Muitas dessas falhas poderiam ter sido evitadas com testes mais rigorosos, automação de qualidade e revisões de código bem feitas. Mas a realidade é que muitas empresas ainda tratam testes como uma etapa opcional, feita “se der tempo”.
3. Dívida técnica acumulada
Boa parte dessas falhas vem de sistemas que foram crescendo sem planejamento adequado. Código antigo, mal documentado e difícil de manter se torna um risco enorme. O problema não acontece da noite para o dia—ele se acumula até que algo falhe de forma catastrófica.
4. Falta de entendimento sobre impacto real
Empresas muitas vezes subestimam o impacto da falta de qualidade. Mas os custos de falhas como essas vão muito além do tempo gasto corrigindo bugs. Eles incluem:
• Perda de receita direta (ex.: cancelamento de voos, bloqueio de acessos bancários).
• Danos à reputação da marca.
• Custos legais e regulatórios (multas por vazamento de dados, processos de clientes).
• Perda de confiança do usuário, que pode migrar para concorrentes mais confiáveis.
Casos menores também ocorrem todos os dias
Se os exemplos citados parecem distantes da sua realidade, pense no seguinte:
• Quantas vezes você já usou um sistema que travou ou exibiu um erro inexplicável?
• Quantas empresas já perderam clientes porque seu site ou app estavam fora do ar?
• Quantos projetos já viraram um caos porque decisões técnicas foram tomadas sem entender as necessidades reais do negócio?
A diferença entre uma falha pequena e um desastre global é apenas a escala. O mesmo problema que afeta um pequeno software pode, em um contexto maior, gerar milhões de dólares em prejuízo.
Esses casos não são exceções — são previsíveis e inevitáveis quando a qualidade é negligenciada. Empresas que não investem em qualidade não estão economizando tempo, estão apenas acumulando problemas que vão explodir no futuro.
Quanto mais tempo você passa apagando incêndios, menos tempo tem para construir algo sólido.
Se ainda acha que falhas assim são raras, faça uma pesquisa sobre vazamentos de dados, sistemas fora do ar e bugs catastróficos dos últimos anos. Você verá que esses casos acontecem o tempo todo, e quase sempre pelos mesmos motivos: falta de qualidade, pressa excessiva e decisões ruins no desenvolvimento.
O Caso C6 Bank: Quando a Pressa nas Entregas Sai Caro
Antes de tudo, vale reforçar: este é um caso público, e a análise aqui não é uma crítica à instituição, mas sim um exemplo real de como falhas podem gerar prejuízos milionários e impactar negativamente uma empresa. O que aconteceu com o C6 Bank poderia ter ocorrido com qualquer outra fintech ou banco digital que negligenciasse processos essenciais de validação.
Agora, vamos ao que interessa: o que aconteceu?
O C6 Bank lançou um produto chamado CDB Crédito, que funcionava como uma forma inteligente de oferecer crédito aos clientes. A ideia era simples: o cliente aplicava um valor entre R$ 100 e R$ 10 mil em um CDB, e esse mesmo valor era revertido em limite de cartão de crédito. Assim, o dinheiro investido servia como uma espécie de garantia para o banco, evitando inadimplência.
Na teoria, parecia uma boa solução. Mas na prática, o sistema possuía uma brecha crítica: usuários conseguiram usar o limite total do cartão e, simultaneamente, resgatar o valor aplicado no CDB antes que o banco bloqueasse o dinheiro.
O resultado? Um desvio fraudulento de R$ 23 milhões explorado por cerca de 5 mil correntistas. O banco tomou um golpe milionário porque um fluxo fundamental dentro do sistema não foi validado corretamente.
Agora, a grande pergunta: como isso aconteceu?
A Ilusão da Pressa e o Preço da Falta de Qualidade
Esse caso evidencia algo que estamos discutindo ao longo deste artigo: a pressa em entregar um produto sem uma validação completa pode sair absurdamente caro.
Não sabemos exatamente o que levou a essa falha — pode ter sido pressão para lançar rapidamente, falta de tempo para validar todos os comportamentos, ou até a ausência de um processo robusto de qualidade. O que parece claro é que os testes provavelmente estavam focados no cenário de caminho feliz do sistema, mas não consideraram cenários de abuso e exploração. Esse é um exemplo clássico do que acontece quando a velocidade de entrega é priorizada em detrimento da segurança.
E aqui voltamos de novo para uma questão central: qualidade não é uma opção.
Olhando para essa falha, fica claro que:
• O fluxo de bloqueio do investimento no CDB deveria ser imediato, sem permitir a retirada antes do bloqueio do banco.
• Testes mais rigorosos, simulando tentativas maliciosas, poderiam ter identificado essa vulnerabilidade antes do lançamento.
• Monitoramento e validação de transações anômalas poderiam ter detectado movimentações suspeitas antes que a fraude atingisse milhões.
Esse erro não só gerou um rombo financeiro gigantesco, como também comprometeu a reputação do banco, um elemento essencial para qualquer instituição financeira, especialmente no mercado digital, onde a confiança do cliente é tudo.
O Que Podemos Aprender com Isso?
Esse caso nos ensina que a qualidade no desenvolvimento não é um luxo. É um requisito básico para qualquer empresa que queira crescer de forma sustentável.
Muitas vezes, gestores e executivos acreditam que lançar rápido é a melhor estratégia. Mas o que adianta lançar algo rapidamente se, poucos meses depois, o produto se torna um buraco financeiro e prejudica a credibilidade da empresa?
Se esse produto tivesse sido validado com mais rigor, se a equipe tivesse tido tempo para testar cenários extremos e abusivos, se o processo de validação de transações fosse mais robusto, essa brecha poderia ter sido evitada.
O caso do C6 Bank não é um erro isolado — ele é um sintoma de um problema recorrente no mundo da tecnologia. Empresas que subestimam a importância da qualidade eventualmente pagam o preço. E, como vimos aqui, esse preço pode ser alto. Muito alto.
Ter um Programador Não Basta – A Importância de um Profissional que Preza pela Qualidade
Depois de tudo o que discutimos até aqui, acho que um ponto fica bem claro: ter uma equipe de programadores não significa, automaticamente, que o software terá qualidade. E isso não tem a ver apenas com a competência técnica, mas com o mindset de quem está escrevendo o código.
O desenvolvimento de software não é apenas sobre fazer algo funcionar. É sobre fazer algo certo, seguro e sustentável. Um programador que simplesmente escreve código e entrega funcionalidades rapidamente pode ser produtivo à primeira vista, mas se ele não for detalhista, se não pensar nos impactos futuros, se não enxergar além do funcionamento básico da aplicação, cedo ou tarde isso vai custar caro.
Código Rápido vs. Código de Qualidade
Uma funcionalidade pode estar tecnicamente funcionando, mas será que ela foi testada para todos os cenários possíveis? Será que resiste ao uso real dos clientes? Será que não está abrindo uma porta para problemas futuros?
Aqui entram algumas diferenças fundamentais entre um programador que simplesmente entrega código e um que realmente preza pela qualidade:
• Pensamento Crítico: O programador que valoriza a qualidade não apenas implementa o que foi pedido, mas questiona, analisa e antecipa problemas antes que eles aconteçam.
• Testes e Validação: Ele não escreve código só para passar nos testes básicos, mas considera cenários extremos, uso indevido e possíveis brechas.
• Código Limpo e Manutenível: Em vez de criar soluções que apenas funcionam no curto prazo, ele escreve código bem estruturado, documentado e fácil de manter.
• Atenção a Requisitos do Negócio: Ele entende que desenvolver software não é só sobre tecnologia, mas sobre resolver problemas reais do negócio da empresa.
Código ruim é combustível. Se você não planejar bem, sua aplicação vira um incêndio incontrolável.
Como a Base da Qualidade Deve Ser Estruturada?
Para que um sistema seja confiável e seguro, a qualidade precisa estar enraizada desde o começo do processo de desenvolvimento. Isso significa que não basta um programador individualmente se preocupar com isso – a cultura da empresa e os processos precisam garantir que a qualidade seja uma prioridade para todo o time.
Aqui estão alguns pontos essenciais:
1. Testes Abrangentes
• Testes unitários e de integração bem feitos reduzem riscos.
• Testes automatizados ajudam a evitar que mudanças futuras quebrem o sistema.
• Testes de segurança e de abuso garantem que falhas críticas sejam descobertas antes dos usuários.
2. Revisões de Código
• Revisar código não é perda de tempo; é um investimento em qualidade.
• Outros desenvolvedores podem identificar falhas que o autor do código não percebeu.
• Um código revisado reduz as chances de vulnerabilidades graves chegarem à produção.
3. Monitoramento e Observabilidade
• Softwares precisam ser acompanhados depois do lançamento. Logs bem estruturados, métricas e alertas são fundamentais para detectar problemas rapidamente.
• Um sistema bem monitorado pode identificar falhas antes que afetem os usuários em larga escala.
4. Planejamento e Design Antes da Implementação
• A pressa para começar a programar pode levar a escolhas ruins de arquitetura.
• Times que investem mais tempo planejando têm menos retrabalho depois.
A Diferença Entre Construir e Apenas Codar
Empresas que realmente valorizam a qualidade não esperam que um único programador carregue essa responsabilidade. Qualidade não é o resultado de um desenvolvedor excepcional salvando o dia, mas sim de processos bem estruturados, boas práticas e um ambiente onde toda a equipe tem tempo e ferramentas para construir software sustentável.
No fim das contas, não basta ter um programador. O que realmente faz a diferença é ter programadores que se importam — alguém que entende que programar não é apenas escrever código, mas sim criar soluções duradouras, seguras e que não precisarão ser refeitas a cada novo problema.
E é aqui que a reflexão trazida por John Ousterhout se encaixa perfeitamente.
O Mito do Tornado Tático
Você provavelmente já trabalhou ou ouviu falar de um desenvolvedor que parece ser um verdadeiro super-herói. Ele entrega código mais rápido do que qualquer um, resolve problemas em tempo recorde e está sempre à frente em qualquer sprint. Mas há um detalhe: ele faz isso de maneira totalmente tática, sem pensar no impacto a longo prazo.
Esse é o “Tornado Tático”— aquele programador prolífico que produz código em uma velocidade impressionante, mas sem a preocupação com arquitetura, manutenção ou boas práticas. Para a gerência, ele pode parecer um talento inestimável. Mas para os desenvolvedores que precisam lidar com o código dele depois, ele deixa um rastro de destruição.
A princípio, ele parece estar acelerando o desenvolvimento. No entanto, o que ele realmente está fazendo é empurrar o problema para frente, criando um débito técnico que outros terão que pagar mais tarde. E quem acaba parecendo “lento” são justamente os desenvolvedores que estão fazendo o trabalho certo, refatorando código, garantindo testes adequados e escrevendo algo que será sustentável no futuro.
Essa dinâmica pode ser extremamente tóxica para uma equipe. Quando os verdadeiros engenheiros — os que prezam pela qualidade — são vistos como “lentos” porque não entregam no ritmo de um Tornado Tático, a empresa acaba reforçando um ciclo destrutivo.
É como andar sobre brasas. No começo, você não sente tanto o calor, acha que consegue seguir em frente sem grandes problemas. A velocidade parece compensar as falhas, e o progresso parece real. Mas, à medida que o tempo passa, as queimaduras começam a aparecer. Pequenos problemas viram grandes incêndios, retrabalho se acumula, e de repente, todo o time está sobrecarregado lidando com os danos causados pela pressa.
No fim, ou você constrói um caminho sólido desde o início, ou passará o resto do tempo tentando pisar onde dói menos.
E adivinha? No longo prazo, a produtividade do time despenca.
Código Rápido vs. Código Bom
Se tem uma coisa que este artigo inteiro mostrou, é que velocidade sem qualidade é uma ilusão. O Tornado Tático pode parecer eficiente no curto prazo, mas ele representa exatamente o tipo de abordagem que faz empresas viverem apagando incêndios em vez de construindo produtos sólidos.
A verdadeira produtividade não vem de programadores que fazem tudo no impulso, mas de times que trabalham com equilíbrio entre velocidade e qualidade. Código bem feito não é aquele que é escrito mais rápido—é aquele que resolve o problema e continua funcionando bem meses ou anos depois.
O Que Empresas Devem Fazer de Diferente?
Empresas que realmente entendem desenvolvimento de software não glorificam Tornados Táticos. Em vez disso, elas:
1. Criam um ambiente onde qualidade é prioridade.
• Garantem que desenvolvedores tenham tempo para planejar, testar e validar código.
• Não pressionam entregas insanas a ponto de forçar atalhos arriscados que podem trazer grandes impactos em ambientes sensíveis.
2. Valorizam consistência e colaboração.
• Equipes bem-sucedidas não dependem de um único “herói” que resolve tudo.
• Processos e boas práticas garantem que qualquer desenvolvedor possa entender e continuar o trabalho de outro.
3. Medem sucesso pelo impacto a longo prazo, não pela pressa nas entregas.
• Código que precisa ser constantemente corrigido ou reescrito não é um sucesso.
• Código sustentável é aquele que facilita a vida do time e da empresa no futuro.
O Tornado Tático pode parecer um ativo valioso no começo, mas empresas que dependem desse tipo de profissional estão construindo sobre areia movediça.
Você quer ser um engenheiro de software ou um especialista em apagar incêndios de código? A escolha é sua.
Você Quer Criar um Produto ou Apenas Apagar Incêndios?
Se você trabalha com desenvolvimento de software, seja programador, líder técnico ou gestor de TI, este artigo é para você. Estamos falando de produtos 100% dependentes de tecnologia, onde decisões apressadas podem custar caro—e não apenas financeiramente.
Velocidade sem qualidade não é eficiência, é apenas um atalho para problemas inevitáveis. Problemas de segurança, dores financeiras, clientes frustrados, processos judiciais. Tudo isso é a conta que chega quando um produto é construído sem planejamento, sem validação e sem testes.
Código sem testes, sem revisão e sem um objetivo claro não está pronto para encarar o mundo real. Se a única métrica de sucesso da sua empresa é entregar rápido, sem pensar no que vem depois, acredite: o que vem depois são incêndios. E quanto mais rápido você corre para entregar, mais rápido os problemas aparecem.
Agora, um recado direto para quem lidera tecnologia: pare de agir como chefe dos bombeiros. O seu papel não é só apagar incêndios, mas construir um ambiente onde eles não aconteçam o tempo todo. Se o seu time passa mais tempo corrigindo do que criando, tem algo profundamente errado na cultura da empresa.
Quanto mais sua empresa trata programadores como bombeiros, mais incêndios ela terá para apagar.
E você, programador? Seja a voz da realidade. Traga para gestores e clientes os riscos de construir um produto sem objetivo, sem validação e sem planejamento. Não se cale ao ver o barco indo para o iceberg.
“Ah, mas preciso pagar as contas, colocar comida na mesa. Não posso ser taxado de chato ou discordar do meu chefe!” Sim, milhões de brasileiros lutam por isso todos os dias. Mas não se conforme em trabalhar para empresas que sugam sua energia, tomam seu tempo com a família e destroem sua paz mental. Não se mate por empresas engessadas que só querem bater metas irreais, que não sabem dar feedback e que veem desenvolvedores como mão de obra descartável.1
Um bom bombeiro evita que o fogo se espalhe. Um bom programador evita que o código precise de bombeiros.
Resumindo: não seja um bombeiro de código e pare de consertar problemas que você mesmo já avisou que aconteceriam (demonstre sua indignação para a liderança). Se um produto nasce sem planejamento, sem validação e sem qualidade, ele não é um produto—é um problema esperando para explodir.
Parem de corrigir tudo de bom grado, sem reagir, sem demonstrar indignação. Se você aceita sempre apagar incêndios sem questionar, sem mostrar os riscos e sem exigir mudanças, você está apenas alimentando um ciclo destrutivo.
A não ser, claro, que você realmente goste de passar seus finais de semana e madrugadas depurando código quebrado, correndo atrás de bugs que poderiam ter sido evitados, explicando para clientes irritados por que algo não funciona e colocando a própria sanidade em risco.
Mas se não for o caso, pare de aceitar que a pressa e a falta de planejamento são normais. Comece a questionar. Comece a exigir. Se ver que nada muda, comece a procurar empresas que valorizam processos de qualidade! Porque enquanto você aceitar ser bombeiro, sempre haverá alguém disposto a deixar o fogo queimar.
Eu agradeço DE CORAÇÃO você ter lido até o final! Grande abraço! ❤️
Essa é uma preocupação legítima e real. Milhões de pessoas trabalham em empresas onde a cultura é baseada em pressão por velocidade, prazos irreais e pouca valorização da qualidade. E, muitas vezes, quem questiona decisões ruins acaba sendo visto como “negativo” ou “complicado”.
Mas aqui está o ponto: concordar com tudo e aceitar processos ruins não torna o ambiente melhor – apenas perpetua o problema. Quanto mais você abaixa a cabeça para decisões apressadas e mal planejadas, mais você será colocado nessa posição de “apagar incêndios” o tempo todo.
Não se trata de ser um rebelde sem causa, mas de ser um profissional que valoriza a qualidade e busca um ambiente sustentável. Questionar quando algo claramente está indo para o caminho errado não é ser chato – é ser responsável. E acredite, empresas sérias valorizam isso.
Se você sente que a sua empresa só quer entregas rápidas sem se importar com qualidade, sem ouvir feedback e sem dar espaço para melhorias, talvez seja um sinal de que você está no lugar errado. Pagar as contas é essencial, mas viver constantemente sobrecarregado, sem tempo para crescer profissionalmente e sempre sendo tratado como um bombeiro de código, não é um plano sustentável para sua carreira.
Se posicionar pode ser difícil, mas continuar em um ambiente tóxico onde sua voz não é ouvida e onde a pressa sempre vence a qualidade pode sair ainda mais caro no longo prazo – tanto para sua sanidade mental quanto para sua trajetória profissional.
Pagar as contas é essencial, mas se matar por uma empresa que não valoriza seu trabalho não é sustentável. Se a cultura do seu trabalho atual está drenando sua energia e limitando seu crescimento, não normalize isso. Empresas vêm e vão, mas sua carreira e sua QUALIDADE DE VIDA são sua responsabilidade. Busque um ambiente que te valorize e permita que você faça o que realmente importa: desenvolver software de qualidade.
Este artigo é quase uma anatomia do motivo pelo qual temos que refrear o máximo que dá decisões apressadas.
Hoje também trabalho em um projeto que escolhas super rápidas e sob tensão criaram um ambiente onde é difícil pagar todas essas dividas.
Acredito que sempre teremos dividas e o que mudar. No entanto, claramente, tem decisões que vão de encontro com a qualidade e um sistema sustentável
Hj trabalho em um projeto onde a escolhas rápidas do time do passado gerou uma complexidade difícil de lidar no presente.